Duas experiências, uma longa e outra breve, me impactaram recentemente. A longa, auxiliei uma organização média a desenhar e implementar seus principais processos visando suportar o crescimento, sem grande sucesso. A breve, ouvi de um gestor de RH de uma empresa grande e em rápido crescimento manifestar que precisavam “romper a bolha do RH” para conectá-lo às áreas de negócio. Ambas se ligavam no meu sentimento e intuição, mas eu não sabia o quê.
Foi então que me dei conta que vinha ouvindo as dificuldades na relação RH-negócio já há algum tempo em vários de meus trabalhos de consultoria. Na maioria, reclamações do tipo dificuldade no endereçamento de complexidades em novos cenários de contratação, abordagens ultrapassadas de retenção, restrições na capacidade de promover inclusão e pertencimento, tratamento superficial da subjetividade, falta de flexibilidade para resolução de problemas das áreas de negócio, falta de agilidade, não atendimento das demandas de gestão de pessoas diante da mudança tecnológica, modelos tradicionais ultrapassados de atuação, pouco poder ou posicionamento estratégico, baixa percepção de valor pelas áreas clientes, incapacidade de gerir conflitos, crenças arraigadas, saúde mental em queda, indecisão diante da guerra autofágica de talentos, indecisão para escolher os modelos de trabalho mais produtivos e seguros, falta de ferramentas para equipar futuros líderes, incapacidade de reinventar o treinamento, desequilíbrios entre flexibilidade e autoridade e indecisão frente a IA. Não quero ser divulgador de um pretenso apocalipse, mas definitivamente é o que venho escutando.
Pois foi aí que conectei meus sentimentos e intuição com a (hipotética) razão: parte (importante) das causas sistêmicas disso é o processo. O próprio processo de gestão de pessoas, ou de RH, como queiram. Senão, vejamos.
O processo é feito para ter produtividade e qualidade via padronização de procedimentos. Perfeito. Mas e se imaginarmos que o que entra no processo não é mais padronizado, ou seja, que o próprio objeto de trabalho do RH não é mais padronizado, podemos ter sérios problemas. Já não se espera mais que as contratações tenham sempre os mesmos requisitos. Não são mais os mesmos poucos tipos de vagas. Não é mais o mesmo modelo de trabalho. Isto para falar só do subprocesso de recrutamento e seleção. Isso também vale para os demais subprocessos: desenvolvimento e treinamento, cargos e salários, liderança, saúde e segurança, avaliação de desempenho, competências, etc. Se isto é verdadeiro, o processo não vai ajudar, pelo contrário, vai atrapalhar a consecução dos objetivos das áreas de negócio com resultados indesejados, não atendimento de requisitos, atrasos, sobrecarga e baixa produtividade. O próprio processo indo contra exatamente o que se propõe: produtividade e qualidade.
Então, sujeito a toda polêmica esperada, suspeito que o processo está moribundo. (Intitulei este artigo de “O processo morreu” só para chamar a atenção. Para ser honesto, creio que ele está um estágio anterior).
Vocês não imaginam o sentimento que me dá dizer isso, um defensor em primeiro grau de processos, métodos e procedimentos. Mas preciso admitir. O lado esquerdo do meu cérebro, o cartesiano, se contorce. Felizmente, o lado direito está confortável. Mais do que isso: atento e confiante. É justamente este lado que ajuda a apontar os caminhos sistêmicos desta nova condição do mundo.
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Que se veja que o processo está morrendo, por si só, é uma grande descoberta. Afinal, não há como esperar nada realmente inovador do que está moribundo. Porém, o problema, a meu ver, é que antigo precisa necessariamente morrer para nascer o novo. Os que tiverem a coragem de pular nesse vazio, sem garantias e/ou expectativa de resultados, e deixarem-se transformar, colherão os frutos.